por
Pedro Alcântara
Os europeus são
congenitamente céticos quando ouvem dizer que um americano se
destacou num terreno cultural. Para um inglês, acreditar que um
jogador de xadrez americano pudesse derrotar seus mestres era o
mesmo que admitir a possibilidade de um escritor americano
produzir uma obra-prima literária. Quando chegou aos clubes
londrinos a notícia da vitória de Morphy, o consenso geral foi
que os adversários do jovem provavelmente estavam muito abaixo
do padrão europeu de jogadores de torneio. Lowenthal, depois de
regressar de sua visita aos Estados Unidos, escrevera no jornal
The Era sobre o progresso do xadrez americano, mas os jogadores
ingleses não levaram muito a sério o artigo. É interessante notar o que Lowenthal tinha
a dizer: "O progresso feito pelo xadrez na América é quase,
se não tanto, igual ao que se conseguiu na Inglaterra. Isso é
mais do que se poderia esperar; pois é de supor-se que, num país
relativamente novo, os homens sejam mais atarefados e mais
inquietos do que numa nação velha e parece bem contra as
probabilidades que na América um jogo exigindo sereno pensamento
e estudo se tenha desenvolvido na mesma escala que divertimentos
mais animados. Que isso acontece, porém, prova o fato de, em
quase toda grande cidade de lá, existir um clube de xadrez e
muitos desses clubes estarem em comunicação e jogarem partidas
por correspondência. Outra prova é encontrada no número de
jornais que dedicam regularmente uma parte de seu espaço ao
xadrez e dão, como os jornais ingleses, partidas bem jogadas,
com anotações, problemas e informações sobre xadrez...
Devemos prestar certa atenção ao xadrez na América se
pretendemos conservar verdes nossos louros.Os homens do Novo
Mundo não estão habituados a ficar para trás quando se
empenham em qualquer empreendimento e, se não tomarmos cuidado,
é bem possível que o próximo campeão de xadrez venha do far
west. Que isso ia em breve acontecer, efetivamente, era coisa que
nem mesmo Lowenthal previa. Foi o primeiro a desafiar Morphy para
um encontro. Jogaram doze partidas, das quais Morphy ganhou nove
e perdeu três. Além da inquestionável superioridade
demonstrada pelo resultado que obteve, e que Lowenthal reconheceu
sem hesitação, Morphy pareceu levar uma estranha vantagem
psicológica sobre seu adversário. Como disse um dos
comentaristas: "Esse rapas de vinte e um anos, cinco pés e
quatro polegadas de altura, de figura esguia e rosto como o de
uma jovem adolescente, positivamente apavora os guerreiros do
xadrez de nosso país - Narciso desafiando Titãs". The Era
prestou a Morphy o seguinte tributo: na manchete: " FINAL DA
GRANDE COMPETIÇÃO DE XADREZ" O encontro entre o Sr. Morphy
e Herr Lowenthal chegou ao fim sábado, com o americano
conquistando a vitória. Embora fosse universalmente observado
que Herr Lowenthal jogou muito aquém de sua força habitual,
deve-se admitir, ao mesmo tempo, que o jogo do Sr. Morphy
qualifica aquele cavalheiro como um dos melhores jogadores do
mundo. Teremos prazer em vê-lo enfrentar outros grandes
jogadores europeus, a fim de que possa ficar provado quem é mais
forte no jogo, o Velho ou o Novo Mundo. Acreditamos que o Sr.
Morphy está disposto a desafiar todos os que se apresentarem. Há
algo de extraordinariamente romântico e cavalheiresco neste
jovem que vem à Europa e lança a luva a todos os nossos
veteranos. Ele é sem dúvida um admirável Crichton do xadrez e,
como o consumado escocês, ele é tão cortês e generoso quanto
bravo e competente. Morphy sentia-se, naturalmente, muito ansioso
por enfrentar Staunton num match. O último, porém, continuava tão
cioso de sua reputação quanto sempre e, embora não recusasse
abertamente jogar, sempre encontrava alguma razão para retardar
a data do encontro. Staunton jogou com Lowenthal num forte
torneio em Birminghan, apenas uma semana depois do término do
match entre Morphy e Lowenthal. Este venceu o torneio, derrotando
Staunton em partidas individuais. Como ele já havia reconhecido
francamente Morphy como um jogador melhor, mesmo aqueles em cuja
opinião Staunton era talvez o único homem adequado para
enfrentar o americano mostravam-se agora dispostos a admitir que
o campeão inglês provavelmente perderia a competição.Com
efeito, diversos jogadores ingleses expressavam a opinião de que
Staunton encontraria meios de fugir inteiramente ao encontro,
como já fizera no caso de Saint-Amant. Essa previsão mostrou-se
correta. Staunton recorreu a uma variedade de expedientes,
insinuando mesmo que Morphy não tinha quem lhe fornecesse
recursos para a bolsa de cinco mil libras que ele estipulara.
Morphy depositou o dinheiro em um banco em Londres e enxadristas
amadores ingleses, com sua proverbial lealdade esportiva chocada
pelos métodos vergonhosos empregados por Staunton para fugir ao
encontro, prontificaram-se a apoiar Morphy com 10.000 libras, se
necessário, para levar Staunton a jogar. O campeão inglês
disse que suas obrigações literárias não lhe permitiam
encontrar tempo para o necessário treinamento e Morphy,
desgostoso, partiu para a França. Foi acompanhado por F. M. Edge,
um seu admirador inglês que se encontrava presente em Nova
Iorque quando conquistara seus primeiros louros e que consentiu
em servir como seu secretário durante sua estada em Paris, onde
Morphy planejava jogar contra Harrwitz e Anderssen, os dois
maiores jogadores do continente. Ia começar então uma aventura
inesquecível ! continua...
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